Homilia na Solenidade de N. Sra. Aparecida

SOLENIDADE DE N. SRA. APARECIDA

 

O milagre das Bodas de Caná é o primeiro milagre com o qual Jesus manifesta em público a sua glória e com o qual Jesus se revela como o Esposo messiânico, descido dos céus para estabelecer com o seu povo uma nova e eterna Aliança, uma Aliança de amor. O vinho é o símbolo da alegria do amor, da amizade restabelecida entre Deus e os homens. O vinho indica também o sangue que Jesus derramará no final, para sigilar o seu pacto nupcial com a humanidade. Hoje, vemos Maria como Mãe que pede e que intercede pela humanidade. Ela confia uma necessidade humana ao poder divino de seu amado Filho. Notemos que Maria não dirige nenhum pedido a Jesus, diz somente: «Eles não têm mais vinho». Não pede coisa alguma, nem sequer um milagre. Maria nos ensina a rezar, a não querer afirmar a nossa vontade e os nossos desejos diante de Deus, mas a entregar tudo nas mãos do Senhor e deixar que seja Ele a decidir o que é melhor para nós. Aprendemos a bondade e a generosidade de Maria, mas aprendemos também a humildade em aceitar a vontade de Deus.

Hoje, alguns Irmãos farão a sua Oblação e outros a renovarão nesse Mosteiro de Nossa Senhora da Glória e é muito significativo que seja feito no dia da solenidade da Padroeira do Brasil. Através da arte decorativa dessa Igreja, Maria nos interroga todos os dias a respeito de nossa fé e de nossa vocação. Na belíssima pintura que temos na capela lateral, que representa a Páscoa, isto é, a morte de São Bento, vemos um discreto ícone de Maria com o Menino Jesus nos braços, no fundo do cenário. De fato, o espírito de Maria está presente na Regra que recebemos de São Bento. Antes de tudo, a atitude de ESCUTA, presente na Regra (RB Prólogo), sem a qual não há vida de união com Deus, não há religião, não há caridade. Maria é o exemplo da escuta atenta da Palavra. Ela conserva e medita no seu coração tudo o que ouve de Jesus, Palavra viva de Deus. Como dissemos, Maria nos ensina a rezar. Ela guia a Igreja nascente na ORAÇÃO. No vitral que temos acima de nós, vemos Maria assunta aos céus, justamente em posição de Orante, daquela que vive já a paz e a glória de Deus e intercede por nós. Possui o status da alegria, do canto e do louvor ao Senhor. Está circundada pelos anjos: in conspectu angelorum psallam tibi (Cantar-vos-ei na presença dos anjos, Sl 137,1). Não é essa a maneira de salmodiar que nos pede São Bento (RB 19), na presença dos anjos, com pureza de coração e confiança? Maria mostra as palmas das mãos, apresenta-se com as mãos limpas e puras diante de Deus, porque não escondeu a justiça de Deus, mas manifestou a verdade e a salvação diante dos homens (RB 2, 9; Is 1,2).

Quando se diz que Maria «dirigiu-se apressadamente» até a casa de Isabel para ajudá-la, notamos como ela acolhe com fé e sem demora a Palavra de Deus, na vida e nas entranhas. Essa é a atitude que São Bento espera de nós. O caminho que conduz a Deus é longo. Não podemos perder tempo, mas correr enquanto temos a luz da vida (RB Prol. 13), correr pelo caminho das boas obras (RB Prol. 22), apressar-nos a realizar o bem agora, de forma que nos sirva para o bem futuro (RB Prol. 43-44). O amor de Maria faz com que ela se abandone em Deus, dizendo: «Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a sua palavra» (Lc 1, 38). Desse modo ela se coloca em uma relação de servidão a Cristo, já não pertence a si mesma, mas totalmente ao Senhor (RB 58,25). Que outro significado tem a profissão/oblação, senão colocar-se ao serviço de Cristo, no seu seguimento, e dizer o nosso Sim, como fez Maria? Ela repetiu o seu sim em diversos momentos: na anunciação do anjo, no templo, na vida pública de Jesus, mas sobretudo aos pés da CRUZ, como a vemos representada no arco colocado atrás do altar. Maria, aos pés da Cruz, participa dos sofrimentos de Cristo como deve fazer também o monge (RB Prol. 50). Como os pássaros que se alimentam dos cachos de uvas, assim também nós nos alimentamos à mesa da Palavra e da Eucaristia, nos alimentamos do Corpo e Sangue de Jesus. Nesse itinerário de fé, não devemos nos esquecer de uma frase escrita em maneira discreta nessa pintura, mas importantíssima: Ecce mater tua (Eis a tua Mãe, Jo 19,27). Jesus nos dá sua Mãe como Mãe nossa, como nossa intercessora.

De Maria aprendemos o silêncio que torna possível experimentar Deus e crescer na caridade. Maria pronunciou poucas palavras, todo o seu ser é dirigido para Deus. Maria nos ensina o sentido do quarto grau da humildade do qual fala São Bento (RB 7,35-43) e que consiste em «abraçar a paciência, de ânimo sereno, nas coisas duras e adversas». O texto beneditino fala de silêncio, não só dos lábios, mas do coração; de abraçar EM SILÊNCIO, com generosidade e com humildade as coisas difíceis. Nisso consiste o silêncio monástico que vai além do silêncio da boca: significa purificar nossas palavras, escutar e meditar a Palavra, receber Deus no coração.

Poderíamos citar ainda muitos outros aspectos da vida e da iconografia de Maria que nos ajudam a viver a nossa profissão/oblação, mas finalizo chamando a atenção ainda para a pintura da capela lateral. Reparem que no momento da morte, São Bento está rodeado pela comunidade de Irmãos. Ao lado lê-se o texto do Suscipe: Recebei-me, Senhor. O propósito monástico deve ser vivido com fidelidade até o nosso último suspiro. É um caminho longo que há seus aspectos individuais, mas é um caminho que se faz em comunidade. O Suscipe, a oferta de si, é individual, mas se realiza em comunidade. São Bento, na pintura e segundo narração de São Gregório, morre sustentado pela comunidade. No final da Regra São Bento faz um augurio: o Senhor nos levará todos JUNTOS à vida eterna (RB 72,12). Devemos superar o individualismo moderno para nos abrir à comunhão que o Espírito Santo nos inspira. Essa é a comunhão dos santos. Não existe uma separação entre vivos, nem entre vivos e mortos, mas uma comunhão. Por isso podemos rezar pelos oblatos, monges e monjas, fiéis falecidos, e eles também intercedem por nós.

Que Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Mãe dos Peregrinos, nos acompanhe no nosso caminho de fé e de vocação monástica, no nosso itinerário de conversão, nos ajude a sermos vinho bom para o nosso próximo, a imitá-la na sua atitude de humildade e de amor. Invoquemo-la com as palavras da antiga antífona que canta: «Sob a vossa proteção procuramos refúgio, Santa Mãe de Deus: não desprezeis as súplicas de quem se encontra em provação, mas livrai-nos de todo o perigo, oh Virgem gloriosa e bendita».  



U.I.O.G.D.